![]() |
Fra Angelico. Predela da coroação da Virgem: o Milagre do Livro Enviado aos Albigenses. |
2. Porém, ainda no início dessa coisa, o que é notório é o assentimento de um cristianismo purista, perfeito, mas que, neste mesmo tempo, necessitavam de um isolamento no intuito de se ocultarem das alegadas perseguições eclesiásticas. Ou seja, eles precisavam neste movimento “estético” de alguma reserva para praticar seus hábitos e professar suas crendices, ainda assim chamando-as de cristianismo. Desde o início do protestantismo, como de fato se tornou, que tudo isso não parece ser anormal, de haver um tipo de cristão afastado do Romano Pontífice, mas não no ano de 1167, motivo pelo qual se pode dizer que uma pretensa “reforma” sempre rodeou a Santa Igreja desde antes de Martinho Lutero (1483-1546) e Cia. Ltda. Deslocar o problema à Idade Moderna é olvidar aquilo que resistiu a Idade Média, sobretudo de maneira organizada.
3. Uma das práticas ocultadas era conhecida por consolamentum, que, grosso modo, unificava os sacramentos do Batismo, Crisma, Ordem e Unção dos Enfermos. Eucaristia, por ser uma “celebração material de realidade espiritual”, terminou sendo rejeitada, motivo pelo qual toda celebração eucarística, evidentemente, também era ignorada, sobrando tão somente realizar a leitura isolada de trechos da Bíblia (lembrando que nem todo povo dispunha de um volume integral e facilmente transportável) — revelando que nem nisso foram inovadores os protestantes — e a distribuição não consagrada de pães como meio de simbolizar a fraternidade. Atualmente, muitos grupos que dizem ser católicos observam estas atividades como abomináveis, exceto quando fazem isso para ignorarem a autoridade do Magistério e o Santo Padre. Ao rejeitarem a unidade da Santa Igreja, evidentemente rejeitam seu primado. Tudo isso para garantir a pureza da fé, supostamente. Entretanto, percorrendo na contramão do preceito do ex opere operato, para eles, somente um sacerdote totalmente purificado poderia conceder com validade aquela consolação, sendo pouco diferente do que se constata em determinadas mentalidades acerca da validade (ou não) da Santa Missa se celebrada for por algum padre que não poderia ser exemplo de santidade, contrariando, desta forma, aquilo que foi posto nisto daqui: “[...] os sacramentos atuam ex opere operato (à letra: ‘pelo próprio facto de a ação ser executada’), quer dizer, em virtude da obra salvífica de Cristo, realizada uma vez por todas. Segue-se daí que ‘o sacramento não é realizado pela justiça do homem que o dá ou que o recebe, mas pelo poder de Deus’. Desde que um sacramento seja celebrado conforme a intenção da Igreja, o poder de Cristo e do seu Espírito age nele e por ele, independentemente da santidade pessoal do ministro. No entanto, os frutos dos sacramentos dependem também das disposições de quem os recebe.” (CIC 1128). Neste ponto, uma das únicas formas de resgatar o alegado caráter purista da fé, dentre outras táticas, estaria na negação do Catecismo da Igreja Católica, que por sua vez requer a rejeição de decisões pontifícias até regredirem ao momento canônico admitido como certo. Imbuíram-se, já que não desfrutam da antagônica pureza herética desses cristãos do século XII, de ideologias tão diversas que parece ser utópica a relação entre estes e aqueles outros, tornando-se mais fácil ou verossímil relacionar aquela heresia com alguma mais próxima.
4. Contudo, os pseudo católicos do tempo do galicanismo, que tinha por intenção colocar a Santa Igreja sob o poder do estado francês durante o reinado de Luís XIV, demonstraram apenas uma faceta das muitas ao convencionarem que o rei também tinha seu poder vindo de Deus, diretamente, para se sobrepujar a autoridade do Romano Pontífice. Inclusive, propostas modernas de conselhos populares, advindas da famigerada Escola de Frankfurt, valeram-se em demasia deste pensamento para submeterem as autoridades à vontade popular (cooptada e corrompida por ideologias inúmeras) no estabelecimento da ditadura do proletariado, mostrando que aqueles que bebem da heresia galicana terminam se embriagando no próprio “comunismo” que alegam combater. Embora isto seja semelhante ao que se vê nas principais condutas cismáticas, apropriando-se da Tradição como única fundação católica e banindo o Magistério pós-conciliar (Concílio Vaticano II), igualmente operam as atuais revoluções, infelizmente não explica nuances de um movimento “estético” que se faz presente como plano de fundo de determinados pensamentos segregacionistas. Por exemplo, uma parcela dessas pessoas acredita ser mais pura por participarem de um rito da Missa Romana em comparação com tantas outras que frequentam as celebrações litúrgicas pelo Missal de São Paulo VI, alegando que aqueles que não participam da apelidada “Missa de Sempre” terminam praticando uma acepção chamada de “continuísmo” — e a Santa Igreja, por seu turno, somente existiria verdadeiramente nas comunidades que admitissem a permanência da Igreja de Cristo entre os fiéis e o clero contrários à famigerada cristandade continuísta. Preste atenção: do ponto de vista retórico, acontece um deslocamento do conteúdo ao continente, mas que nem este, nem aquele, são plausíveis, ou seja, de que só há validade na “Missa Tridentina” e que a prática da “outra” indica a opção por uma continuidade abominável. Noutros termos, os hereges se rogam santos e acusam os outros daquilo que cometem, o que é pertinente à militância, de um proselitismo evangelicamente condenável. Nada disto será encontrado — talvez até possa ser (e é) — às claras, visível ao mundo inteiro, motivo pelo qual, aqui pelo Enquirídio, sempre foi notado seu modus operandi ao invés de disposições positivadas, ainda mais pela inteligência dada em duas verdades evangélicas de um mesmo capítulo, quais sejam, “Pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7, 20) e “Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” (Mt 7, 21). E o detalhe que precisa ser notado é que o aspecto dessa coisa pode mudar, ou seja, de que se agora ela condiz com tal aparência, amanhã ou depois ela poderá ser reapresentada sob indumentárias diferenciadas, porém, contendo a mesma essência.
5. Resumidamente, o que é essencial nesse movimento “estético” (aspas por causa dessa palavra induzir a percepção ao aparente) é o alegado purismo. Veja como pela estética as coisas se confundem: os adeptos da “Missa Tridentina”, apelidada como “Missa de Sempre”, que não é nem uma, nem outra, mas tão somente Rito Extraordinário do Missal Romano, colocam-na em oposição ao Rito Ordinário do Missal Romano, donde quem desta participa, daquela se fazem rivais, gerando um dualismo e erigindo, noutros termos, deuses nas formas de celebrações — remetendo isto tudo diretamente aos princípios gnósticos que rodeiam a Santa Igreja desde sempre, sobretudo por meio das aristocracias organizadas sob instruções heréticas, que, por sua vez, atualmente procuram sitiá-la, cercá-la, como teve que fazer a Igreja Católica no tempo do Papa Inocêncio IV contra um epicentro cismático no ano de 1243, precisamente no Castelo de Montségur, no sul da França. Para eles, passa a existir o deus bom, “tridentino”, e o deus mal, “conciliar” (ou qualquer outro apelido da vasta lista: “continuísta”, “sinodal”, “ecumênico”), e o que é válido diante dessas “divindades” se mostra apenas ex opere operantis (pela obra de quem realiza), tanto do ponto de vista do celebrante, quanto dos participantes, conectados pelo sutil fideísmo cego, surdo e mudo, que nem mesmo Lutero aprovaria, escamoteado através da beleza da Missa de São Pio V, que por ironia foi instituída em um pontificado que combateu o protestantismo, erroneamente tratado na história como “reforma”. Ora! Acaso se destrói uma casa para que seja reformada? Isto só pode ocorrer se estiver com sua estrutura comprometida. Os protestantes fizeram exatamente isso: colocaram à baixo toda Santa Igreja (na ideia deles, claro), porém, adotando heresias dos séculos iniciais do cristianismo para fazer caber aquela gnose desde sempre combatida pelos santos, mártires, doutores católicos. Neste ponto, de nada vale se apegar à certas definições se operativamente o comportamento dessa infiltração gnóstica se realiza sorrateiramente, camuflando-se ou parasitando a mentalidade de pseudointelectuais que angariam seus públicos ao amedrontar suas respectivas audiências com anedotas farisaicas sobre uma moral estoica, sofismas travestidos de sapiências, antecipações do Apocalipse ou abreviando o Juízo Final na separação do joio/trigo, que são mistérios reservados somente ao Sumo Sacerdote da fé constituída por Ele mesmo, com Ele mesmo e n’Ele mesmo, pois só Jesus Cristo é o Senhor, Deus Filho, que por sua infinita misericórdia revelou sua esposa e a guia pelo Espírito Santo ao interceder junto ao Deus Pai, donde, nesta Santíssima Trindade, acalmam-se os corações cristãos ao extraírem as maiores sabedorias para peregrinarem numa terra passageira, repleta de pecados, embora fértil para toda boa obra, pois toda criação é amada por seu Criador, mas que pode não ser salva por seu Salvador sem que corresponda à este amor pelo necessário auxílio do Paráclito.
Em suma, criam armadilhas espirituais, revestidas de pseudo virtudes ao condicionamento das vontades humanas às práticas que somente condizem com patentes desordens, ao ponto de duvidarem da validade do Romano Pontífice, afastando-os da verdadeira Igreja de Cristo em comunidades isolacionistas.6. Esse purismo foi prática perene na França, no sul e sudoeste daquele território durante o início da Baixa Idade Média, chamando atenção por praticarem uma divisão terrena, onde, de um lado, encontram-se os semideuses, numa suposta perfeição cristã, e; do outro, os crentes mais simples, porém, impuros. Além disso, estavam apartados do Romano Pontífice e rejeitavam o Batismo, Confirmação, Eucaristia, Confissão, Matrimônio, Ordem e Unção dos Enfermos ao substituírem estes pelos consolamenta e procedimentos aproximativos de melioramentum (entre os puros e todos os demais, onde estes prestavam homenagens àqueles). Se houvesse condições de realizar um paralelo rápido entre estas condutas, de séculos passados, às rupturas recentes, imediatamente se perceberia uma aparente incompatibilidade entre os casos, posto que nos novos modelos cismáticos se encontram preservados os sacramentos. Afinal de contas, mitificando-se os ritos da Santa Missa, apenas uma forma conduz ao culto certo, donde a outra seria sacrílega, sendo aquela, o que é atualmente considerado o Rito Extraordinário (Missal Romano de São Pio V) e esta, o Rito Ordinário (Missal Romano de São Paulo VI). Por uma inferência superficial, significa afirmar que participar, seja na função sacerdotal ou como leigo, de celebração eucarística pelo Novus Ordo Missae, como é feita no mundo inteiro na maioria das igrejas desde o final do Concílio Vaticano II, equivale a cometer sacrilégios, pecados mortais passíveis de sujeição ao inferno, exceto se houver honesta contrição, confessada aos clérigos adeptos plenamente do movimento “estético” puritano, como se vê pela perspectiva de quem causa o cisma, evidentemente. Noutros termos, trata-se de movimentos seitistas, operantes da seguinte maneira: acusando a Santa Igreja de herética, amedrontam a cristandade com controvérsias políticas e religiosas, fundindo-as na politização do cristianismo, ao ponto de canalizarem suas vítimas aos redutos de retroalimentação de problemas inventados, enquanto apresentam o isolamento e rejeição à Cátedra Petrina em um sedevacantismo velado como solução, porém, baseando-se na mitificação da “Missa Tridentina” e demais aspectos advindos no Concílio de Trento (1545-1563), geralmente falseados por concepções positivistas, colocando um véu sob as verdades do Evangelho no intuito de ditarem o que é a santidade, embora apenas afastem, ao mesmo tempo, os fieis de acessarem o que é verdadeiro na fé ao passo que uma gnose segue furtivamente sendo implementada como base de um ideal, cujas consequências são melhormente observadas, através de grande quantidade de documentos, no período do Renascimento, ainda que sejam, também, resultados de ocorrências anteriores. Em suma, criam armadilhas espirituais, revestidas de pseudo virtudes ao condicionamento das vontades humanas às práticas que somente condizem com patentes desordens, ao ponto de duvidarem da validade do Romano Pontífice, afastando-os da verdadeira Igreja de Cristo em comunidades isolacionistas.
7. Embora o galicanismo, mencionado como um ponto de semelhança com heresias passadas, explique uma espécie de ímpeto cismático, notadamente advindo da mentalidade revolucionária, dada pela total dominação dos sentimentos por uma vontade irracional de mudança, mas não por vontade pessoal ou visando apenas si mesmo, mas das coisas alheias que não são compatíveis com aquilo que o ser imagina nos limites do próprio conhecimento, conforme A Mente Revolucionária, evidentemente não consegue explicar o caráter dissidente deste movimento “estético” para promoção das próprias práticas que afirmam ser muito mais cristãs do que as outras, quais sejam, aquelas que com eles não querem se afastar da Santa Igreja. Neste ponto, se existe um diagnóstico preciso da situação, este se dá no apontamento deste modus operandi ao catarismo, inclusive não por aparência somente, mas por essência, motivo pelo qual este Enquirídio insiste em afirmar que persistem os processos heréticos que efetivamente tiveram sucesso ao promoverem a insurgência protestante no Renascimento, mas que anteriormente haviam conseguido semelhantes resultados nas fundações das comunidades isolacionistas dos paulicianos, bogomilos, valdenses etc. Uma das principais condutas ao se erigir uma seita é a separação, dada pela decorrente necessidade do isolamento. Assim sendo, tanto é feita a partir das inúmeras influências contra a maioria, minando a unidade para angariar novos membros ao apartá-los dos demais, como pode transcorrer infiltrando-se corruptores em congregações já isoladas por natureza ou obrigação. Não à toa, existem diversos exemplos acerca deste último na história, como é o caso do abade cisterciense Joaquim de Fiore (1135-1-202), que com o seu milenarismo, influenciou os franciscanos ao ponto de, talvez, especialmente por uma importância que tiveram em povos já ilhados (literalmente) nos Açores de Portugal, legarem os princípios que ensejaram renovações carismáticas no Brasil — o que é suposto, mas não inverossímil, uma vez que, por uma possível herança, observam-se pensamentos espiritualistas, cosmovisões antropocêntricas, incitamento à descontinuidade eclesiástica, experiências escatológicas antecipatórias e a similaridade com ideologias que hodiernamente são indubitáveis no iluminismo. Portanto, de um jeito ou de outro, valem-se do antiguíssimo estratagema “dividir para conquistar”, donde os termos retóricos para isto, como, exempli gratia, “Missal Romano de São Pio V” contra “Missal Romano de São Pio Vi”, somente cumprem uma finalidade estratégica, pois a meta é a divisão dos cristãos. Curioso é que a estratégia passe incólume aos olhos dos tantos sábios, mesmo depois do triunfo que causou o surgimento dos “sequestradores de missas” em oposição aos “destruidores de missas”, respectivamente evidenciados pelos sedevacantistas (incluindo-se os lefebvristas) e teólogos da libertação (também estando inclusos aqueles que negam ser, mas que agem como sendo), que são marxistas em maior ou menor intensidade, quando não são iluministas, pois, como dizia Dom Henrique Soares há tempos, “morreu como produção teológica a Teologia da Libertação”, sobrando-lhe tão somente as concepções enviesadas à doutrina comunista. Tudo isto é dito não por uma mera ideia geral, mas por evidências, dentre as quais se intercalam as que já se encontram provadas, apensar do desprezo acadêmico (compreensível, perante o predomínio ideológico nas instituições de pesquisa), sem que diminuam aquelas que são prováveis, mas que dependem do empenho de pesquisadores independentes à publicação de trabalhos neste sentido.
8. Também é preciso enfatizar que, por aspecto, todos esses cismáticos de agora se parecem com católicos, mas que, por essência, são (neo)cátaros, recapitulando que seu dualismo se observa na mitificação dos missais, onde um seria bom e o outro mau, e o consolamentum “como iguais” aos sacramentos da Igreja Católica, porém, considerados sacrílegos se um cátaro de agora obtê-los por clérigos impuros, que são aqueles em comunhão com o Santo Padre. Veja: são “como iguais” por causa das disposições eclesiásticas, pois se um padre em cisma ministrar uma Confissão de alguém que padece, mesmo proibido, terá sido plenamente feito. Entretanto, para eles, caso um cismático participe da celebração eucarística pelo Rito Ordinário do Missal Romano, logo está em pecado mortal. Trata-se de símbolos diferentes, que não apenas revelam a gravidade cismática, como expõe a diferenciação existente sobre o clero e leigos puros, celebrantes não de uma forma extra(ordinária) de um mesmo missal, mas de uma que foi preservada, também por uma “tradição” isolada, da qual se colocam como guardiões contra a Santa Igreja, sucumbida, na gnose deles, em 1965, no encerramento do Concílio Vaticano II. Então, todo este (neo)catarismo termina causando um problema central através do purismo que incitam, que é a privação desses adeptos às realidades espirituais da fé na plenitude do que, de fato, é a Igreja de Cristo. Curiosamente, alegam que desde o início da “Igreja Pós-conciliar” os papas têm evitado excomungar os fiéis ou mesmo os clérigos que adotam ideologias anticristãs, mas não pensam que, por tal caridade e a esperança de conversão, também são poupados, diferentemente daqueles que estavam no Castelo de Montségur em 1243, pois, privando as almas do real meio de salvação, cometeram mal muito maior do que os graves cercos que sofreram.
9. Por fim, (neo)catarismo é a vertente cismática que atualmente isola fiéis da Santa Igreja, subvertendo suas realidades espirituais pela influência do gnosticismo sobrevivente. Aparentemente, tudo é Igreja, porém, essencialmente, nada é Cristã. Cristianismo é à unidade, ao símbolo — e o que se vê em (neo)cátaros, diverge, mostra-se diabólico. Para referenciar esta postagem: ROCHA, Pedro. O que é o (Neo)catarismo? Enquirídio. Maceió, 17 jul. 2025. Disponível em https://www.enquiridio.org/2025/07/o-que-e-o-neocatarismo.html.
Postar um comentário